sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

SEMELHANÇAS DA ACTUAL CRISE COM A GRANDE DEPRESSÃO DE 1930


Os comportamentos dos homens e os acontecimentos económicos, tem mais semelhanças do que diferenças. Os males de que a sociedade portuguesa enferma hoje em dia, pouco ou nada diferem daqueles que Eça de Queirós apontava no século passado. A economia, apesar de sustentar muita da sua análise na matemática, não deixa de ser uma ciência social, daí que, o anacronismo das suas manifestações, não deixe também ter hoje em dia, mais semelhanças do que diferenças, comparada com outros períodos da história.

Disso exemplo, é o que se passa na actual conjuntura económica europeia na zona euro, versus o que se passou na grande depressão dos anos 1929/1930.

INTRODUÇÃO
Para além do desemprego, um dos grandes problemas das economias em todo o mundo, é a inflação, ou seja, o aumento generalizados dos preços, sem o correspondente acompanhamento por parte do rendimento ou do PIB no seu todo. Nada pior para um agente económico, que ter o valor de um activo em termos nominais num determinado momento, e num curto espaço de tempo, esse mesmo valor em termos reais, ser bastante menor.

 "O fenómeno da inflação tem tendência a ser tanto maior, quanto maior for a autonomia monetária de um país".

Esta afirmação, parece à priori contraditória; mas para a maioria dos países não é. Porquê ? Porque os países com preferências sociais de curto prazo, orientadas muitas vezes para a demagogia e a desresponsabilização objectiva, não tendo referências e controlo externo da sua política monetária, nomeadamente na política cambial, tem tendência a compensar os déficies da sua BOP (balança de pagamentos) com emissão monetária. O chamado fabricar dinheiro, quer seja no estrito significado da palavra, quer seja injectando liquidez na economia, quer seja  através do endividamento dos agentes económicos, (empréstimos no exterior) ou de outras formas de mutualização de dívidas.
Se as economias ou os agentes económicos conseguem no mínimo pagar os juros desses financiamentos, e com eles gerar riqueza e procura dessa mesma riqueza, a inflação é controlada, ou seja, a existência entre a procura e oferta de moeda equilibra-se. O problema é que estas injecções de massa monetária, servem na maior parte das vezes para solver défices ou resolver problemas de procura interna, sem nenhuma contrapartida no produto interno.

Mas, como dito no início, a inflação é um problema, quando o que a despoleta, é um um aumento dos preços desajustados da riqueza criada, porque quando assim não é, ela nada mais do que não é que um reflexo de um crescimento saudável de uma economia, a qual gera por incremento de valor nos produtos produzidos, um excesso procura dos vários activos sobre a oferta dos mesmos, e assim levando à subida dos preços. Este tipo de inflação, é uma espécie de tempero saudável na economia.

Este tipo de inflação é provocada pela excesso de demanda ou procura global, mas existe outro tipo de inflação originária por outra via, nomeadamente pela via da subida dos custos de produção, devido essencialmente a factores exógenos, e que têm influência, não na procura global, mas nos custos de produção; ou seja, ao nível micro económico ou empresarial. Temos como o melhor exemplo, a subida dos preços do petróleo (que não vamos agora analisar as suas causas), com as implicações directas ao nível da subida da maior parte dos custos dos factores de produção. 

Nesta breve análise supra, se repararem, estão duas orientações da gestão das finanças públicas e política monetária, e que de alguma maneira trazem resultados económicos bastante distintos. De um lado as economias que mantêm uma orientação da sua política monetária e cambial, de forma (visão monetarista) a evitar défices na balança comercial. Do outro lado, estão as economias inflacionarias, que ao contrário das atrás descritas, o endividamento na maior parte das vezes é pouco produtivo, ou seja, é para investimentos não reprodutivos, e na maior parte das  vezes são já para financiamento de déficites passados, o que faz com que a confiança e os termos de troca com os restantes parceiros comerciais se vá deteriorando, tomando proporções ao nível cambial impossíveis de manter, ao não ser, recorrendo à desvalorização monetária repondo novamente a competitividade nos termos de troca.
Ao fazê-lo, como os termos de troca não foram repostos pela produtividade, pela valorização competitiva, mas sim pela "submissão" ou seja desvalorização objectiva da competitividade em relação aos parceiros comerciais.

Mas existe outro problema tão ou mais grave para as economias do que a inflação. A deflação. Porquê ? Porque pode causar tantos ou mais problemas aos agentes económicos que a inflação. Se o seu percurso for continuado e galopante, pode levar mesmo as empresas a baixar tanto os preços de venda  ao ponto de não conseguirem cobrir os custos fixos, e assim levar à falência um grande numero de empresas e aumento desmesurado do desemprego.

A crise que actualmente algumas economias da zona euro estão a sofrer, por razões que não vou agora debater em profundidade, têm como consequência uma secagem de liquidez seguida de um processo deflacionário, devido ao excesso de endividamento e consequente  perda de confiança dos financiadores. Esta secagem de liquidez, e a respectiva quebra na procura, leva as empresas a baixar os preços para níveis nunca antes pensados, e a levar à falência milhares de empresas, que não conseguiram suportar a quebra na procura dos seus produtos, nem de certa forma conseguirem reestruturar-se.

O PADRÃO OURO

É  reconhecido pela maior parte dos economistas, da dificuldade que têm os países em controlar as finanças públicas, nomeadamente o défice público; daí que muitas vezes recorrem a mecanismos monetários para controlarem os termos de troca entre parceiros comerciais, e assim evitarem aquilo que de outra forma seria muito mais difícil  controlar; a inflação. Que mecanismos são esses ? Os mecanismos são o controlo das suas taxas de câmbio. As taxas de câmbio, reflectem os termos de troca entre países. A taxa de câmbio real é a relação entre o preço agregado dos bens da produção estrangeira e preço agregado dos bens da produção nacional (TR=TN*PE/PN). Como os preços estão expressos na moeda de cada país, têm de ser convertidos numa mesma moeda para serem comparáveis, fazem-se através da taxa de câmbio nominal. Num sistema de câmbios fixos, só a taxa de câmbio nominal é fixa, pelo que só os preços variam, e só as variações de preços permitem ajustar a taxa de câmbio real.
Se a Taxa de câmbio Real sobe, temos uma depreciação real, se desce temos uma apreciação real. Num sistema de câmbios fixos não se pode ajustar a taxa de câmbio nominal, porque é o valor estabelecido por todos os países aderentes, isto é,  igual a 1. Só se pode alterar a taxa de câmbio real, se se conseguir alterar a relação entre o preços dos bens nacionais, e o preço dos bens estrangeiros, quer os preços estejam expressos na mesma moeda (caso da zona euro), quer estejam expressos em moedas diferentes (caso da altura do padrão ouro).
Assim, se os preços nacionais crescerem menos que os estrangeiros (porque, por exemplo, os salários sobem menos, ou descem mesmo), à uma depreciação real da economia nacional,  logo, aumenta a competitividade externa da economia nacional.

Depois da primeira guerra mundial o padrão ouro (padrão pelo qual os países definiam o valor unitário das suas moedas, através da uma equivalência a uma determinada quantidade de ouro) ao qual 40 países tinham aderido, significava que tinham as suas moedas ligadas entre si por paridades fixas.
O que é que representa para as economias estarem ligadas a um sistema de câmbios fixos? Não é nada mais nada menos, que estarem ligadas um sistema rígido de ajustamento, onde os países de economias mais débeis, ou seja de sistema produtivos fracos, têm muita dificuldade em manter-se, porque não conseguem agir na taxa de câmbio real   (TR=TN*PE/PN), de forma a aumentarem a sua competitividade, dado que a  relação taxa de câmbio nominal está fixa, e no rácio preço da produção agregada estrangeira / preço da produção agregada nacional, (PE/PN) lhes é desfavorável, ou seja, a ausência de competitividade do sistema produtivo, faz com que os preços nacionais (custos dos factores de produção) em relação aos estrangeiros, sejam mais caros, havendo uma apreciação real da taxa de câmbio, e assim uma diminuição da competitividade externa.

A competitividade económica só poderá ser reposta com a diminuição da taxa de câmbio real, por três vias:

  • 1º saída do sistema e diminuição da taxa de câmbio nominal (TN).
  • 2º aumento da competitividade, nomeadamente ao nível micro económico, incrementando valor  aos produtos produzidos, e fazendo com que a procura dos mesmos aumente, e o custo relativo baixe em relação aos parceiros comerciais, tornando o rácio dos preços da produção agregada  favorável a uma diminuição da taxa de câmbio real.
  • 3º descida dos custos de produção (processo deflacionário) nomeadamente dos custos salariais, restaurando assim a competitividade, pela via de diminuição dos custos. 


Foi o que aconteceu no período que antecedeu a grande depressão, e que de alguma forma, a rigidez que o sistema de câmbios fixo causou no prolongamento da recessão, pelo enviesamento deflacionário. Ou seja, os países com problemas de competitividade no sistema produtivo, têm dificuldades em acompanhar esta rigidez. Porquê ? Pelo que já anteriormente foi dito, ou seja, para competirem comercialmente com economias mais fortes, em termos de desenvolvimento / investigação e gestão, só o conseguem fazer por via administrativa, ou seja reduzindo custos (processo deflacionário) nomeadamente os salariais, ou saindo do sistema, desvalorizando a taxa de câmbio nominal, e restaurando assim a competitividade. De outra forma, o processo deflacionário, trás uma consequência em termos sociais muito mais graves, que é o desemprego.

Este sistema de câmbios fixos, e de alguma maneira é um espelho do que se passa na zona euro ( com a diferença que os preços estão expressos em moedas diferentes e na zona euro, na mesma moeda) gera desequilíbrios nas balanças de pagamentos entre os vários países, sendo que a pressão maior do ajustamento é do lado deficitário, já que do lado dos países superavitários, a pressão não existe, pelo contrário, estão a acumular reservas externas ou a reciclar o excedente financeiro para outros destinos. 

Na altura da recessão dos anos  trinta, os países que excedentários acumulavam reservas de ouro, nomeadamente a França e os USA, enquanto que nos países deficitários perdiam as mesmas, fez com que apenas o lado deficitário se ajustasse. A lógica do padrão ouro, era que a massa monetária dentro de todo o sistema se expandisse com o aumento da quantidade de ouro em reserva. Mas  os países excedentários, ao contrário daquilo que era desejável, não aumentaram a quantidade de massa monetária em circulação, e assim foi quebrada o automatismo dos processos de ajustamento dentro do sistema, e assim torna-se assim um instrumento deflacionário tanto ou mais perigoso que um processo inflacionário.

De facto, os desequilíbrios nas balanças de pagamentos (BOP), ocorrem por desajustamentos nas taxas de câmbios reais entre países: os países deficitários têm taxas de câmbio sobrevalorizadas, retirando competitividade às economias, e os países excedentários, apresentam artificialmente muito competitivas, porque as suas taxas de câmbio reais estão subvalorizadas. Os diferenciais de competitividade favorecem as exportações com moedas subvalorizadas e as importações das moedas sobrevalorizadas.

O processo em que o euro foi formado, enferma deste mesmo enviesamento, ou seja, um sistema de câmbios fixos (moeda única) com países com excedentes nas suas balanças de pagamentos, e países com défices. Os processos de ajustamento que a crise da zona euro provoca, tornaram-se num único sentido: países com défices acumulados, sem política monetária própria, e com a pressão de correcção, faz com que a mesma seja feita pela desvalorização salarial, já que os diferenciais de competitividade entre estes dois grupos de países é enorme. 

Portugal infelizmente, encontra-se no grupo dos países deficitários.



Sem comentários:

PRESIDÊNCIA DA RÉPUBLICA

  O nosso sistema político é Parlamentar, não presidencialista, logo os poderes do Presidente da República são limitados à sua esfera de inf...